O compositor já cantou seu bom e ruim (Gil), já dissertou seu nome (Fagner) e tantos aspectos. Mas por que sentirmos saudade?
É próprio dos mamíferos sentir, afinal a mama é literalmente o seio da vida para o filhote, que entende esta ligação prematuramente. Mas o ser humano extrapola as questões inerentes a sua família na taxonomia biológica. O ser humano sente. Muito. E a saudade é um dos maiores expoentes disso. Amor exige duas pessoas. A saudade, apenas uma. É solidão concreta e indubitável.
Para chegar ao porquê, é preciso saber o “quê”. Saudade é amor represado no peito de quem sente, pois o mar, que é a foz do rio que transborda aquele amor, virou continente, virou deserto. Saudade é desejo de acelerar o carro esportivo ao fim da rodovia; à frente, apenas a complexidade e a lentidão forçada nas vias urbanas. Para onde mover este sentimento incontido?
Para chegar ao porquê, eu preciso saber “como”. Como? Saudade só se sente, é coisa nata, é respirar. Parece que a natureza foi quem ensinou o ser humano a sentir saudade, pois as mudas à beira do rio raso têm saudade do dia em que ele era cheio e pulsante. As dunas sentem falta dos ventos que levam seus grãos para passear e ver as belezas que o mundo oferece. As flores sentem falta das abelhas quando seu viveiro é destruído pelo homem que desaprendeu a sentir.
Por quê?
Porque saudade é consequência do amor. Amar é sempre bom, e o ser que vive um amor intenso, sincero e pleno vicia-se, como criança no doce.
Porque a falta é sinônimo de que valeu a pena. Momentos marcantes foram desenhados, ou escritos, ou ditos, e a cabeça nunca dorme, não esquece, quer a próxima recordação. Mas…
Porque, se o amor se foi, o coração também não dorme, precisa sentir, continua sentindo. Porém não é mais possível sentir amor sozinho; é preciso manifestar-se de outra forma: destilando a falta que o outro faz.
Porque a esperança é própria do ser vivo. É preciso seguir em frente, no entanto guardando boas referências sobre o que buscar no futuro. “Quero mais felicidade, quero mais amor”, meu coração diz na saudade.
Porque “quem ama, sofre/quem não ama, sofre mais/sem amar, morre de dor/e, quando ama, não tem paz”, disse o mestre Lindú, primeiro cantor do Trio Nordestino numa canção chamada… “Saudade”. Ou seja, porque é inevitável.
Enfim, porque estou vivo. Sinto saudade até do que vou fazer, porque já amo o meu futuro, e a saudade já está lá, como aqui. Esta palavra única é sintoma de que ainda sou fiel ao meu espírito de eterno amante.
Paulino Solti x Camila Barretto
“Desafio das palavras” é um jogo proposto, com o objetivo de versar sobre temas vindos de fora pra dentro; inspirar-se ao contrário. Dois poetas, cada um com seu olhar sobre o tema/título.